sábado, 18 de outubro de 2008

Sem nenhum cunho social. Apenas ego.


" As nuvens são cabelos crescendo como rios." J. C. de Melo Neto

O calor me enlouquecia , talvez fosse o corpo dele ou a secura. O fato é: encarei a água gelada, mergulhei de cabeça. Dentro da piscina descobri no marasmo o vai e vem das ondas em meus cabelos, a densidade desse ente querido e pensei o quanto eu era fútil, mas verdadeiramente feliz por parar um instante e com meu corpo todo ser aquelas mechas despreocupadas, bailando sem me importar com o que haveria de vir. Qual sereia na minha infância. Enlou cresci.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Sobre burrice

Para R. S.

"Odeio ser burro" dizia entre dentes.

Vejo a burrice daquelas palavras. Me pergunto o que é a burrice afinal? Alienação? Decisões tomadas em horas erradas? Persistência inconsistente?

Os burros são animais tão inteligentes, só empacam um pouco, nunca entendi essa associação.

Olho para ele e só consigo ver um ser humano repleto de funções cognitivas, de mangas arregaçadas e com tanta garra para viver! Analiso sua postura, seu jeito doce de cativar e nada em seu físico me lembra gigantes orelhas, o tom de sua pele não é acinzentado! Pode ser o som... É ele imita sons como ninguém! Dizia que era uma criança solitária.

Imagino esse menino, sozinho, deitado imitando tudo o que ouvia, tudo o que sentia, passeando por todos os cantos do mundo com sua imaginação e sonhando alto. Só encontro talento, força de vontade e simpatia.

É um pai como outros não conseguem compreender, é um artista nato, é um amigo incrível, cadê o burro, então?!

Acabei de descobrir:

Sou burra e sem talento.
As palavras me disseram - as que ouvi.
As comparações me confirmaram - as que fiz.

Simples assim.

Sem intervenção.



Azulejo em pedaços sobre a cama - fria
Revejo nossos passos
Só calos e maresia

-De onde veio tanta areia?!

Escavar raso
Na beira da praia seu grito e insônia
As palavras no caso
São o mínimo - agonia

-Sua pele tem cheiro de brisa.

O sol profuso do meio - dia
Desfalece ao acaso.
No canal cais não havia
Nem o barco, nem os ossos
Por favor, não ria.

As sereias deram a deixa
Me prendi no mastro
Por favor, pare de queixa
Quero apenas estar:
No vazio
Ou em seus lençóis
Macios.

Foto por Kauê R.

domingo, 12 de outubro de 2008

Viva a padroeira do Brasil!



" Ave cheia de graça, bendita, sejas mãe. Te amo com amor eterno, sincero, de coração. Quero então colocar minha vida em suas mãos. Sentir que podes guiar-me mãezinha com a tua proteção...Eu quero deixar que teu plano em mim, possa realizar sem limitações e quero tentar, sem porém saber ser um pouquinho do que tu és..."

Esboço - Diálogo.

( No hospício. A cantarola e B acompanha, mas com outra música, no final parece uma só. Em crescente até o silêncio absoluto. )

A: Alô!
B: Oi! Você aqui de novo?!
A: Pois é... ainda esperando os correios saírem de greve!
B: Como assim?!
A: Ué! Vai dizer que você não sabia?! Por isso não chegam as cartas da minha família!
B: Já faz tempo?! E eu que não sei o que estou fazendo aqui...
A: 3 anos!!! 3 longos anos!!! É um absurdo!Esse governo...

( chega um terceiro)

C: Oi! Não pude deixar de escutar... Desculpa, é que sou novato aqui... Muito tempo aqui?! Uma curiosidade...Porque estão aqui?!
A: Eu estou esperando cartas... Há 3 anos! Nunca recebi cartas...Culpa da bosta desse correio!
B: Não sei...Um dia cheguei em casa, meu marido estava na cama com outra mulher...Peguei meus filhos e fui viajar...Queria que eles experimentassem algo novo, libertá-los, me libertar...
C: Conseguiu?! Porquê queria aprender como...

( chega uma mulher, morde um deles)

A/B/C: Aí, sai pra lá seu cão! Parece um animal!
D: Não fui eu! Eu juro! Não foi...
A/B/C: não vê que está sendo inconveniente? estamos conversando, sai fora!
D: eu fico!

( durante a conversa morde-os e sempre nega o ato até se estressarem e a expulsarem, ela sai negando, em gritos decrescentes, pode virar uma musica, vários não fui eu, por exemplo...)

C: Voltando ao assunto... Me ensina?!Conseguiu?!
B: Eu não! eles sim...Pulamos do alto!No rio Tietê, achei que tinha alcançado a liberdade, mas não! Vim parar aqui e nem sei quanto tempo faz...Uns dias talvez, meses, anos?!
A: E eles te mandam cartas?!Tá esperando a carta deles?!
B: Não, não! Eles estão no colo de Nossa Senhora, graças a Deus... Só eu fiquei no inferno.
C: Eu também queria... Ah sim! Morrer! De ontem pra cá já tentei me matar duas vezes, não deixam, me sedam... Nem me matar eu posso... Por isso tô sem roupa. ( na verdade está vestido)
B: Ué! Mas você tá vestido...
C: Tá louca?! arrancaram minhas roupas quando eu tentei me enforcar! Na semana passada!
B: Ainda bem que estou viva... Posso receber as cartas a qualquer momento!
A: Aqui podia ter visitas neh?
C: Verdade! Estou com saudades dos meus meninos...
A: Mas ninguém viria me visitar...Meu marido poderia vir...( fala sozinha) Estrangular... Minhas próprias mãos...
C: Eram dois por mês, um em cada cidade...
B: Seus amigos, primos, irmãos?
C: Namorados oras! Pena que duravam pouco...
A: Você se parece com meu marido...
C: Ah... Violência, sinto falta da violência...Alguém tem uma faca?!
B: Porque?!
C: Agarrá-los à força...Esquartejar, pedacinho por pedacinho... Vocês tinham que ver a cara de prazer deles...Depois?! A lata do lixo!
A: Meu marido... (olha para C) Você?!
C: O ser humano é podre! podre!!!Hipócrita!!! Tenho nojo... Podre!
A: Você parece com o meu marido...

( A enforca C com o escapulário que tem no pescoço. Apagam-se as luzes. Gritos.)
Uma manhã, corpo sobre o divã e nada,
nem um músculo se move
Enfático esse medo sordido de morrer por uma mordida.

A vida passa repassa distrata e acaricia
perdida entre as esquinas invisivéis
impercepitível ou perceptível demais
( não saber o pior incomoda)

Faço trocas por uma poesia engajada
Algo não amorfo
irradiante, purgante, excruciante!
Mas sou órfã de mim mesma
Traída pelo egocentrismo
Escorregadia, pegajosa, encebada por todas as manchas do mal do mundo.

Isole-me em uma camisa de forças antes do veneno consumir
O ódio - me pulsa
O amor - me repulsa
O vem e vai contínuo da minha insatisfação
estatelada sobre as almofadas.

Eu não choraria por mim...