terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Passeio.

Ela.
Saia comprida, chinelo, cabelos até a cintura ( soltos, brincavam com o vento com vida própria quase), bracelete e o semblante convicto.

Ele.
O futuro ( marido, namorado, desconhecido? ) de bermuda florida que ela ajudou a escolher, chinelo, camiseta azul, olhos claros e vivos, altivo.

Mãos dadas.
A praça.
Ar turístico, uma fileira de restaurantes com garçons doidos por clientes anunciando a vastos pulmões as especiarias da casa, jatos de água em alternância em uma fonte no chão, postes antigos, algumas árvores enormes a farfalhar com a mistura enjoativa de músicas, banquinhos de ferro.

A noite.
Quente, mas com um vento faceiro, sem estrelas nem lua, iluminada apenas pelas luzes artificiais e por alguns fogos de artíficio ao longe.

A praça é pública.
Todas as raças, ricos, pobres, crianças misturadas brincando de correr.
No centro, duas mulheres e um homem pegam pequenos azulejos, unem tinta à óleo, " de gráfica" como anuncia o rapaz e apenas com dedos, paninhos e palitos de dentes desenham em minutos lindas paisagens de lugares talvez nunca visitados. Cachoeiras, noites estreladas, árvores com flores lilás e uma casinha no pé do morro, apenas cinco reais os simples e por dez fazia-se um personalizado! "Um santuário para Nossa Senhora Aparecida é personalizar?! " Ela reclamando do presente que levaria para mãe pela quantia dos dez. Talvez religião personalize pessoas.
Ela dá pulos frenéticos cantando Zé Ramalho, uma Hippie acha graça " hey, você, é você, vem aqui doida, dúvido se tu tem coragem de comprar minhas bijus hoje, pros outros tá só 59,90 reaus, mas pra tu que é muito doida fica por 10 milão. Não?! Ah, comer ainda neh?! Putz, deixa pra nóis 2 mil que te faço um trampo massa, surpresa, faz assim, dá sete, ganha o trampo e leva um brinco, fechou?! Escolhe aí. Sim a borboleta ficou maravilhosa, combina com teu cabelo, toma tá na mão. Vai usar o anel em que dedo?! Bate aí! Seu nome?! 20 mil reis?! Correeee! Peraí, quanto tenho que dar te troco, esse troço complico! Tome-lá 13 milão neh?! Falou!"
Do outro lado, pendurado numa árvore um tecido bordô abria espaço para um picadeiro improvisado e uma voz mecanizada anunciava um número de duo acrobático. Ela ficou encantada com as sequências de contorcionismo, malabares, com a roupa colorida dos palhaços e de suas piadas e principalmente do tecido, do desprendimento, força, equilibrio e leveza que o artista tem que ter para essa modalidade. " Arte é para quem quer, não para quem pode." setencia o palhaço. Um frio perpassa o corpo dela, seus pêlos eriçam, sua garganta seca, sabe que possui algum talento, iniciou faculdade de artes a menos de um ano e não sabe porquê nem para quê, só o que sente quando está no palco, a vida escorrendo em suas veias e o prazer de atuar. Ele se diverte com o resto do espetáculo, para ela acabou ali. Será dotada de coragem suficiente? Encararia enfrentar uma praça para ganhar o seu? Por amo, por prazer?

Mãos dadas. Vento, cheiro de picanha e silêncio ( de todas as dúvidas e de todas as certezas ), lá fora o barulho era intenso.

Ele voltou para casa com um sorriso de prazer.
Ela voltou para a casa dele com 17 reais a menos, um brinco de borboleta, um anel de cobre, uma imagem de N. Senhora, o sotaque da hippie ( coisa de artista em neurose ) e a questão quantas praças teria de rodar para sobreviver da arte?

" Nossa, você tá agindo estranha, o que ouve? Fala direito, amor!".
Ela enrubesceu com as palavras secas, quase um rótulo.
De perto quem é normal, afinal?

3 comentários:

Nara Grilo disse...

Adorei. É o tipo de texto que eu gosto. Virei visitá-la mais vezes. Obrigada pelo comentário no meu blog.
Beijos poeta :*

DESESTRESSA MANO disse...

muito bom minha 1º vez aqui e gostei, e a foto do cabeçario ta muito show..

abraços e sucesso

Limão disse...

boas descrições, conseguiu transportar-me para o mundo do seu texto :) e uma boa escrita também! muito criativo. obrigada pelo comentário e um beijinho!